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Farinaldo Queiroz

Como é a vida de um Físico no Chile? -

Uma visão pessoal de um pós-doutorando no país andino


Texo de Téssio Melo, Pós-doutor no Instituto SAPHIR e Universidade Andrés Bello




O Chile possui os céus mais límpidos do planeta. Por isso é conhecido como "os olhos do universo", um lugar ideal para observação astronômica. Este país, espremido de um lado pelo Oceano Pacífico e do outro pela Cordilheira dos Andes, é também conhecido pelos seus excelentes vinhos e suas paisagens naturais espetaculares, que variam de desertos áridos a glaciares monumentais, de paisagens litorâneas a cadeias montanhosas em questão de quilômetros. Para além desses atrativos turísticos (que qualquer um poderia saber vendo algum informativo de uma agência de viagens), não conhecia muitos detalhes dos aspectos da cultura desse país sulamericano antes de desembarcar por aqui. Passado algum tempo, começo a conhecer melhor e a me adaptar à vida nesse belo país. Neste texto, vou compartilhar um pouco da minha experiência até então e das minhas impressões iniciais.


Cheguei a Santiago, capital do Chile, há pouco mais de 3 meses, para realizar um pós-doutorado no Millennium Institute for Subatomic Physics at the High Energy Frontier (SAPHIR), um instituto de pesquisa em Física de Partículas que atua junto a universidades chilenas e colaborações internacionais, a exemplo do CERN (mas hoje não vou falar sobre ciência, fica para uma próxima oportunidade). Trabalhar em outro país passa também pela adaptação à vida e à cultura daquele lugar, o que nem sempre é um processo fácil. Porém, logo na chegada, senti que as coisas poderiam não ser tão complicadas assim. Santiago é uma cidade bonita e acolhedora. Apesar de ser uma metrópole, por vezes tem um ar de tranquilidade que lembra uma cidade do interior. A primeira impressão que mais me impactou foi, sem dúvidas, a visão da Cordilheira do Andes, que fica sempre ali como um pano de fundo para os arranha-céus da cidade (tudo como no panfleto da agência de viagens).


Claro que antes de viajar procurei pesquisar bastante sobre o país e, em particular, sobre Santiago, para tentar fazer o processo de adaptação o mais suave possível. No entanto, logo percebi que não dá pra ter uma imagem realística de um outro país antes de realmente pôr os pés nele (há sempre muito mais além do panfleto). Algumas surpresas sempre acontecem, e foi inevitável notar algumas diferenças em relação ao Brasil. Uma das que me chamou atenção no início foi quando saí para almoçar num dia de sábado e descobri que quase todos os restaurantes da redondeza estavam fechados (bem diferente dos restaurantes e churrascarias brasileiras lotadas nos finais de semana). Nesse dia, tive que andar alguns quarteirões até encontrar um restaurante aberto. Outra diferença que me chamou ainda mais atenção foi em relação aos horários. Aos olhos de um brasileiro, parece que tudo no Chile se passa mais tarde. O horário do almoço é sempre depois das 13:00. O comércio abre tarde, restaurantes abrem tarde, as aulas nas universidades idem (um colega chileno me olhou com certo espanto quando disse que no Brasil não são incomuns as aulas que começam às 7:00; aqui não costumam começar antes das 8:30).


A explicação para isso não é que os chilenos amem demasiadamente dormir até mais tarde, mas sim uma consequência natural do fato de o sol nascer algumas horas depois do que nasce no Brasil e, no entanto, o fuso horário ser similar ao do Brasil. Digo similar porque é igual em algumas épocas do ano, mas muda em outras devido ao horário de verão (no momento em que escrevo esse texto, os fuso-horários estão iguais). Ainda não me acostumei muito bem a essa mudança no horário, e tenho mantido mais ou menos os hábitos de quando estava no Brasil. Isso significa que quando acordo de manhã quase sempre ainda está escuro, e também que sou um dos primeiros (quase sempre “o” primeiro) a chegar na cantina da universidade para o almoço. Algumas vezes tenho até que esperar uns minutos porque a comida ainda não está completamente pronta (imagino que as funcionárias de lá já devem ter me colocado algum apelido, tipo “o brasileiro apressado” ou quem sabe “o estrangeiro esfomeado”).


Além dos horários diferentes, outro aspecto importante para a questão da adaptação é, claro, o idioma. Dentro do ambiente profissional, no instituto SAPHIR, é possível se comunicar em inglês sem problemas. Mas para todos os outros aspectos da vida cotidiana, ser capaz de falar o idioma local é bastante importante. Uma mudança do português para o espanhol não é assim tão drástica, e antes de chegar aqui eu até compreendia e falava um pouco de espanhol. Só que ninguém me avisou que o sotaque chileno é bastante peculiar e soa bem diferente do espanhol que já tinha ouvido até então. Quando cheguei no Chile, simplesmente não compreendia uma palavra do que eles diziam (talvez seja uma experiência parecida com a de um estrangeiro que tem alguma familiaridade com o português falado em Portugal e tenta se comunicar com um brasileiro, ou vice-versa). Isso me trouxe algumas dificuldades, principalmente quando precisava resolver as questões burocráticas. Não é fácil, mas com um pouco de paciência tudo se resolve. Depois até fiquei um pouco mais aliviado em relação ao idioma, quando um colega mexicano me disse que ele, mesmo tendo o espanhol como idioma nativo, também tinha certa dificuldade de entender o sotaque daqui. Os próprios chilenos reconhecem que a sua versão do espanhol é bastante particular, e eles mesmos dizem, em tom de brincadeira, que aqui se fala “chileno”, e não espanhol. Depois de algumas semanas, já começo a pelo menos compreender algumas frases inteiras, mas o caminho para se tornar fluente em “chileno” é bastante longo.


De maneira geral, até onde a minha (curta) experiência vai, o que pude perceber em relação ao Chile é que é um país bastante organizado e bem estruturado. Não por acaso a sua economia é a mais sólida da América Latina há algumas décadas. O país apresenta os melhores indicadores de educação da região, bem como de índice de desenvolvimento humano (IDH). Os serviços em geral funcionam bastante bem. O transporte público, por exemplo, é eficiente e moderno. O metrô de Santiago conta com a segunda maior malha metroviária da América Latina (maior até que a de São Paulo, mesmo tendo um quarto do número de habitantes de lá). Nos ônibus, algo que me chamou atenção positivamente é a ausência de catracas na maioria dos veículos. Também não há cobradores, então fica a cargo de cada um fazer o pagamento da passagem no leitor eletrônico. E pelo que notei, todo mundo paga, mesmo sem ser explicitamente obrigado (claro que, como em todo lugar do mundo, sempre há os “espertinhos” que passam direto pelo leitor sem pagar; mas felizmente eles parecem ser poucos, afinal o sistema não se manteria caso uma grande parcela não pagasse). A coleta seletiva de lixo parece ser levada a sério, e nos supermercados eles não te dão bolsas plásticas. Se necessário, é possível pagar pelas embalagens (de papelão), mas é mais comum as pessoas trazerem de casa um carrinho próprio para armazenar suas compras (não sabendo disso, tive que levar minhas compras nas mãos na primeira vez que fui ao supermercado… mas hoje já adquiri o meu carrinho).


Claro que nem tudo são flores. Ao conversar com chilenos na rua, é muito comum ouvir eles se queixarem da situação atual do país que, segundo eles, está muito pior que há 3 ou 4 anos atrás. O país passa por um momento político delicado com a elaboração de uma nova constituição e ainda tenta se recuperar dos danos causados pela pandemia, que assim como em outros países, agravou problemas econômicos e sociais, como o aumento da inflação, do desemprego e dos índices de criminalidade. Apesar disso, a criminalidade no Chile ainda é bem mais baixa do que no Brasil. Santiago, em particular, continua sendo considerada uma cidade bastante segura. De fato, essa é a sensação que eu tenho ao andar pelas ruas de Santiago, sensação de que se pode andar tranquilo (o que não é sinônimo de andar descuidado!).


Enfim, são apenas alguns meses e ainda há muito o que aprender sobre o Chile e os chilenos. Trabalhar em outro país não se resume apenas ao trabalho em si, mas também a diversos aspectos do dia-a-dia de onde se está. Apesar de Chile e Brasil serem ambos países latino-americanos, as barreiras culturais existem e sempre são obstáculos à adaptação, o que vai acontecendo pouco a pouco, e no processo sempre se aprende muito. Mudar de país nunca é fácil, porém é muito enriquecedor. Depois de algumas semanas, aquela imagem vaga e superficial vai dando lugar a uma visão menos mistificada e mais realística. Felizmente, o que posso dizer em relação ao que eu tenho visto de Santiago, e do Chile de maneira geral, é que a realidade vem constantemente superando as expectativas iniciais.

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